O Processo de Semiformação e a Crítica à Educação Industrializada

Semiformação

O conceito de semiformação (Halbbildung), elaborado por Theodor W. Adorno, revela a crítica da Escola de Frankfurt às formas de educação que, em vez de promover a emancipação, reproduzem ideologias e ajustam os indivíduos às exigências do sistema social. O presente artigo tem como objetivo discutir a noção adorniana de semiformação, articulando-a ao diagnóstico do mal-estar cultural e à crítica da indústria cultural. Utilizando contribuições de Adorno e Horkheimer, bem como leituras contemporâneas da teoria crítica, argumenta-se que a semiformação se constitui como processo de esvaziamento da formação cultural, reduzida a mera instrumentalização do saber. Conclui-se que, em tempos de racionalidade tecnocrática e mercantilização da educação, a categoria mantém sua atualidade como ferramenta crítica para pensar os limites e as possibilidades da educação emancipadora.

Introdução

A obra de Theodor W. Adorno apresenta uma crítica radical à sociedade capitalista avançada e à sua lógica de dominação. Um dos conceitos centrais dessa crítica, o de semiformação (Halbbildung), aponta para a degeneração do ideal humanista de Bildung, formação integral e emancipadora, em um processo de adaptação cultural às demandas da indústria e do mercado (ADORNO, 2006).

A semiformação, segundo Adorno, não é apenas ausência de cultura, mas uma forma degradada de cultura, que conserva aparências de erudição e conhecimento, mas esvazia o potencial crítico e reflexivo do sujeito (ADORNO, 1996). O objetivo deste artigo é analisar esse conceito, suas origens e sua atualidade, destacando a relevância da crítica adorniana para os debates contemporâneos sobre educação e sociedade.

A crítica adorniana à formação e o surgimento da semiformação

O conceito clássico de Bildung remonta ao humanismo alemão, sendo concebido como desenvolvimento integral do sujeito por meio da cultura e da reflexão. No entanto, para Adorno, na sociedade moderna, esse ideal é corrompido pela lógica fetichista da mercadoria, transformando-se em semiformação. O conhecimento deixa de ser um fim em si mesmo e torna-se meio de ascensão social e adaptação profissional (ADORNO, 1996).

Horkheimer e Adorno (1985) já haviam indicado, na “Dialética do Esclarecimento”, como o projeto iluminista, ao buscar libertar o homem do mito por meio da razão, terminou por instaurar uma racionalidade instrumental que favorece a dominação. Nesse contexto, a formação cultural não emancipa, mas reproduz a lógica de integração funcional, produzindo sujeitos conformados e pouco críticos.

Semiformação e indústria cultural

A indústria cultural constitui, para Adorno, um dos principais dispositivos de reprodução da semiformação. Através da padronização de conteúdos e da mercantilização da cultura, ela produz sujeitos consumidores, cuja relação com a arte e o conhecimento é superficial e passiva (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Assim, a cultura deixa de ser experiência reflexiva e se converte em mercadoria, ajustada às necessidades de entretenimento e lucro.

Nesse processo, a semiformação não corresponde à falta de acesso à cultura, mas a uma forma de cultura destituída de densidade crítica. Como aponta Crochík (2011), a semiformação produz uma relação fetichizada com o saber, no qual diplomas e certificados substituem a efetiva reflexão crítica e autonomia intelectual.

Educação, barbárie e emancipação

Em “Educação e emancipação”, Adorno (2006) enfatiza que o papel da educação não é apenas transmitir conteúdos, mas estimular a autorreflexão e a resistência às formas de barbárie. A semiformação, nesse sentido, se mostra perigosa porque cria sujeitos formalmente instruídos, mas incapazes de crítica, tornando-os suscetíveis a ideologias autoritárias.

Na leitura de Duarte (2010), a atualidade do conceito reside na crítica às políticas educacionais que privilegiam competências técnicas e instrumentais em detrimento da reflexão crítica. A escola, muitas vezes, passa a preparar indivíduos para o mercado de trabalho, sem oferecer condições para o exercício da cidadania e da autonomia.

Atualidade do conceito de semiformação

No século XXI, a semiformação permanece como categoria relevante para pensar a educação diante da mercantilização do ensino, da expansão do ensino superior privado e da crescente ênfase em avaliações padronizadas. Tais tendências reforçam a ideia de que aprender é acumular informações úteis e mensuráveis, enquanto a reflexão crítica é desvalorizada.

Como aponta Pucci (2010), a semiformação não é apenas fenômeno cultural, mas também político, pois limita a possibilidade de resistência social. Nesse sentido, a crítica adorniana mantém sua potência diagnóstica, permitindo compreender como processos educacionais aparentemente modernos e democráticos podem reforçar desigualdades e conformismos.

Considerações Finais

A semiformação, em Adorno, é categoria fundamental para a crítica da educação em sociedades capitalistas. Ela aponta para a transformação da cultura em mercadoria e para o esvaziamento do ideal de Bildung. Mais do que ausência de formação, a semiformação é forma deformada de formação, que conserva aparências de conhecimento enquanto impede a emancipação.

Em tempos de intensificação da racionalidade instrumental, marcada pela mercantilização da educação e pela colonização da cultura pela lógica do capital, retomar o conceito de semiformação é essencial para pensar práticas pedagógicas que resistam à adaptação e promovam a autonomia crítica. A atualidade da teoria adorniana reside justamente em sua recusa a reduzir a educação à funcionalidade social, insistindo em sua dimensão crítica.

Referências Bibliográficas

ADORNO, Theodor W. Teoria da semicultura. In: PUCCI, Bruno; ZUIN, Antônio A. S.; LASTÓRIA, Luiz A. C. N. (orgs.). Teoria crítica e educação: a questão da formação cultural na Escola de Frankfurt. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 7-40.

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.

ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

CROCHÍK, José Leon. Indivíduo, sociedade e semiformação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 3, p. 661-678, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ep/a/9g9ydF7X9b6crH5Qw8fR8rq/. Acesso em: 16 ago. 2025.

DUARTE, Newton. A individualidade para-si: contribuição a uma teoria histórico-crítica da formação do indivíduo. Campinas: Autores Associados, 2010.

PUCCI, Bruno. Teoria crítica e educação: a questão da formação cultural na Escola de Frankfurt. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.

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Seu Psicanalista

Doutorando e mestre em Estudos de Linguagens pelo CEFET/MG.

Psicanalista formado pela Associação Brasileira de Filosofia e Psicanálise (ABRAFP); membro pleno da Ordem Nacional dos Psicanalistas (ONP) e do Conselho Brasileiro de Psicanálise Clínica (CBPC).

Coordenador do Projeto de Extensão “PsiLab: Laboratório em Linguagens e Psicanálise” (INFORTEC-CEFET/MG).

Integrante dos grupos de pesquisa: Infortec-Posling-Cefet/MG, Núcleo de Pesquisa Geografia Anticolonial da UFU e do Grupo de Pesquisa Letramento de Percurso da UERGS.

Autor das obras: “O Corpo Hiper-Real em Crash e a Festa Tecnológica: Sedução, Simulação e Fragmentacão”; “A Tecnologia Nossa de Cada Dia: Entre Deuses e Demônios”; “Fragmentos Humanos: Uma autoajuda para que você descubra o sentido da vida e morra em paz”; “SEX’N’DRAMA” e “Arquétipos do Absurdo”.

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